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produtividade por hora, horários de trabalho, etc… e tal

8 comentários

A discussão sobre mais meia hora de trabalho, sobre menos feriados, sobre menos “pontes”, reduções de salários tem de alguma forma dominado as atenções nos últimos tempos, sobretudo neste período de discussão do orçamento do estado e de avaliação do progresso registado no Memorando de Entendimento. Tudo isto ao mesmo tempo que uma medida a seu tempo emblemática, a descida da TSU, desapareceu do mapa político.

Para procurar perceber melhor a relevância de mais ou menos dias de trabalho, decidi procurar alguma informação adicional, com comparações com outros países, Irlanda e Grécia, por estarem como nós sob um programa de apoio financeiro internacional, a Alemanha e a França por serem referenciais do euro, Inglaterra e Suécia por serem da União Europeia mas não da zona euro, e a Espanha por ser o nosso principal parceiro comercial e país vizinho. Coloquei também a Polónia nos países de comparação, por ser um país onde várias empresas nacionais têm investido com sucesso.

Usei para o efeito os dados da Penn World Table  (Alan Heston, Robert Summers and Bettina Aten, Penn World Table Version 7.0, Center for International Comparisons of Production, Income and Prices at the University of Pennsylvania, May 2011.) O ponto de partida foi o PIB per capita, ajustada de power de compra.

Como seria de esperar, encontramos a quase estagnação de Portugal na última década, uma rápida aproximação da Polónia nessa mesma última década, o salto da Irlanda a partir da criação do mercado único em 1992. Por aqui, Portugal estava entre os países com menor PIB per capita e afastou-se recentemente dos restantes. Se estamos mais pobres em termos relativos, não podemos aspirar a ter os mesmos padrões de consumo sem produzirmos mais. Este gráfico e estas considerações resumem o ponto de partida, que me parece ser hoje aceite e consensual.

A partir daqui, a minha dúvida é saber se trabalhamos pouco (isto é, poucos dias e poucas horas por ano) ou se trabalhamos mal (isto é, baixa produtividade por hora trabalhada). Para isso, as Penn World Tables têm um indicador de PIB por hora trabalhada (preços constantes de 2005, ajustada de paridade de poder de compra). A figura seguinte tem esse indicador para o mesmo conjunto de países.

Como seria de esperar Portugal continua na cauda dos países de comparação, sendo notável aqui o facto de a Alemanha e a França terem a maior “produtividade por hora trabalhada”, mesmo não tendo o PIB per capita mais elevado deste conjunto de países. Portugal destaca-se por ser o país onde este “indicador de produtividade por hora trabalhada” menos cresceu.

Para confirmar essa impressão, a figura seguinte apresenta um índice deste indicador de produtividade por hora trabalhada.

Desde 1980 até 2009, último ano de dados disponíveis nesta base de dados, Portugal esteve até cerca de 200o a crescer a valores intermédios, mas desde o início deste milénio que passou a ser o país (deste conjunto) com menor crescimento do PIB por hora trabalhada.  A Irlanda, por seu lado, apresenta um bom desempenho sempre, mas com destaque para o período posterior a 1995. A Grécia está essencialmente similar a Portugal, cresceu menos na década de 90 do século passado mas mais do que Portugal desde então. A Alemanha manteve uma trajectória segura de crescimento durante este período de 30 anos.

Como Portugal parece ter passado por dois períodos distintos, uma forma de os evidenciar melhor é calcular o índice de crescimento de 1992 em diante (mercado único europeu) e de 1999 em diante (o projecto do euro como moeda única).

Quando olhamos apenas para o período depois de 1992, a evolução de Portugal não foi muito diferente da da França e da Alemanha, e foi melhor que a da Espanha. Todos os outros países cresceram mais do que Portugal desde 1992 no indicador de PIB por hora trabalhada. Como a França, Espanha e Alemanha tinham um valor de partida bastante mais elevado, para taxas de crescimento não muito diferentes, o gap em valor absoluto entre Portugal e esses países aumentou.

A situação torna-se porém muito diferente quando olhamos a última década, em que Portugal tem logo na primeira redução uma diminuição do PIB por hora trabalhada, só voltando a crescimento positivo a partir de 2005. Ou seja, o crescimento real do PIB verificado em vários anos surgiu de um aumento do número de horas trabalhadas. A Alemanha tem um bom comportamento mas não excepcional, quando comparado com outros países da União Europeia.

A posição relativa face à Alemanha é apresentada na próxima figura.

Daqui retira-se que desde há duas décadas que temos face à Alemanha uma situação curiosa – o nosso produto por hora trabalhada vai sendo uma fracção cada vez menor do valor da Alemanha –  se em 1988 uma hora de trabalho em Portugal produzia cerca de 54% do que se conseguia na Alemanha, em 2003 esse valor era cerca de 44%. Mas em termos de PIB per capita, passamos de 55% do valor alemão em 1988 para um valor máximo de 64% em 2005. Estes dois indicadores dão assim informações quase contrárias – o que parecia ser uma evolução positiva em termos de PIB per capita, foi na verdade uma evolução desastrosa em termos de produção por hora trabalhada.

Juntando estas várias peças, a minha conclusão preliminar é que aumentar horários e dias de trabalho permitirá, eventualmente, uma maior produção, pelo menos em alguns sectores. MAS, e este MAS é um aspecto crucial, o fundamento do problema continuará sem ser resolvido, e por isso voltará a emergir ao fim de pouco tempo – o produto por hora trabalhada tem que mudar, tem que crescer. E a mudança para mais meia hora de trabalho, e a redução de feriados e pontes poderão dar alguma folga mas não mudam por si esta produtividade por hora trabalhada. Há, por isso, que reconhecer a necessidade de ganhar espaço para respirar, mas ter já e explicitar já e convencer já toda a sociedade da importância do aumento da produtividade por hora trabalhada. Este indicador deveria passar a ser monitorizado com maior proximidade como factor de alerta para problemas.

Autor: Pedro Pita Barros, professor na Nova SBE

Professor de Economia da Universidade Nova de Lisboa.

8 thoughts on “produtividade por hora, horários de trabalho, etc… e tal

  1. Nesta equacao conta a quantidade de trabalho ou a qualidade de trabalho? Ou por outras palavras o que conta devera ser termos mais horas de trabalho a produzirmais texteis de baixo valor acrescentado ou as mesmas mas a produzir alta tecnologia? Sei que nao se muda o “modelo de negocio” num ano, mas a ideia dos paises do sul, preguicosos e com baixa produtividade, nao passa antes por esses paises nao se terem libertado de uma especializacao assente em sectores tradicionalmente com baixo valor acrescentado? Se assim for, pelo menos que se tenha claro que o aumento de horas trabalhadas, mantendo o modelo, nao sera muito mais do que um penso rapido (infelizmente na perspectiva farmaceutica do dito…)

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  2. @Ferrari Careto: contam ambas as coisas, dentro do mesmo sector e entre sectores. A medida agregada depende também da composição sectorial. Parte do decréscimo que observamos no início da década poderá ter sido devido a transferência de pessoas de sectores mais produtivos para outros menos produtivos. Tentarei recolher informação de alguns estudos que me lembro de ter visto, e voltarei a essa questão em breve.

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  3. Para alem da “qualidade do trabalho”… falta referir o que sustenta essa qualidade… incentivos… premios de trabalho… como é a comparação Alemanha – Portugal? Gestão dos recursos humanos pela positiva, precisa-se em Portugal.

    Um outro aspecto – o factor capital? é importante não esquecer que o investimento em capital, aumenta a produtividade… fazer fotocopias com uma máquina dos anos 90 não é a mesma coisa que fazer fotocopias numa máquina de hoje.

    Um outro aspecto – qualidade da gestão – enquanto tivermos uma gestão amadora, que é feita na maioria das empresas portuguesas, pouco se conseguirá mudar…

    Sinceramente, nao acredito num efeito positivo dessa meia hora e de menos feriados – vamos passar a ter mais idas ao WC, mais café, mais horas a olhar para ontem, mais conversa, mais aborrecimento, fadiga e erros…

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  4. @JPinto: a medida usada está em termos de valor gerado por hora de trabalho. Se se produzir mais por hora, o indicador aumenta. Se se produzir o mesmo, mas valer mais, o indicador aumenta. Se se mudar uma hora de produção de um sector com valor por hora baixo para um sector com valor por hora elevado, o indicador aumenta. (neste último caso, há que ter em conta que os recursos produtivos têm que mudar de sector). Não estou usar a medida de produtividade definida como VAB por trabalhador, e sim PIB ajustado para paridade de poder de compra por hora de trabalhador empregue, tudo colocado a preços de 2005. Uma descrição mais detalhada pode ser consultada aqui: http://pwt.econ.upenn.edu/php_site/pwt_index.php

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  5. É estranho. Aqui há uns (largos) meses mandei-te um ppt com dados semelhantes tirados do eurostat (que depois foi publicado no blog da sedes) e apontavam noutra direcção. Aliás a conclusão é que a divergência se devia essencialmente ao aumento do desemprego, tendo a produtividade por hora trabalhada aumentado em linha com a UE15 (embora a UE o tivesse feito trazendo mais gente para o mercado de trabalho e nós o tivéssemos feito retirando gente, o que aponta para uma subida da média por eliminação da cauda). As diferenças eram a fonte (usei Eurostat, mas não deveria fazer diferença), o ano de referência (creio que usei 2000) e principalmente, creio – mas não tenho certeza que já passou muito tempo – que não usei valores ajustados a ppp.

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  6. Olá João,

    Está aqui o teu texto antigo: http://www.sedes.pt/blog/?p=2307

    A utilização PPP pode estar a fazer alguma diferença. O facto de não ser a EU15 como ponto de comparação também pode ser relevante.

    abraço-

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