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“Apelo para resgatar a PT” e a soberania perdida

10 comentários

Ontem foi publicado um “apelo para resgatar a PT“. É um texto de palavras fortes. E é um texto desconcertante. Logo de entrada,

As razões do descalabro e desmembramento da PT, no contexto da sociedade e da economia portuguesa, advêm, ao longo deste século, de graves erros, distorções, falta de visão estratégica nacional e diluição ética de diferentes níveis de decisão. Importa, por isso, aprofundar as ilações a extrair desta situação.” Certo, é fácil todos concordarmos. Não sei é se estaremos de acordo com o que foram os erros. Foi a privatização (ainda no século passado)? foi decidir avançar para a Oi, onde os gestores brasileiros foram mais “espertos”? foi o fomento de um “centro de decisão nacional” com a cumplicidade na criação das estreitas ligações ao BES (ao GES) que resultou nas decisões condicionadas e na fragilização da PT? Foi tudo isto, ou ainda outra coisa qualquer?

Mas, olhando para o próximo futuro, a gravidade da situação da PT é incompatível com silêncios, omissões ou acomodações. Está em causa o interesse nacional na sua mais genuína interpretação. Está em causa a prossecução do bem comum e a defesa estratégica da soberania nacional. “ Oops, aqui fiquei perdido. A situação da PT é grave, mas onde está o “bem comum”? Nas telecomunicações, que são também asseguradas pela Nos e por todas as outras empresas autorizadas para prestar serviço de telecomunicações em Portugal? Soberania nacional? por a PT prestar serviço de telecomunicações, mas a PT não é monopolista; as restantes empresas não colocam problemas à soberania nacional? se não colocam, o que é diferente entre a PT e a NOS? o serem accionistas nacionais? nesse caso, os accionistas não portugueses da NOS devem começar a ficar preocupados?

Este problema não pode, pois, ser exclusivamente deixado à lógica estrita de mercado e de interesses particularistas.” Esta parte não entendo de todo – a PT opera num mercado, mercado esse regulado pela ANACOM nas partes que se entende deverem ser reguladas. Essa regulação não depende da nacionalidade do accionista. O que se terá passado nos últimos anos para que pessoas que defendiam que o regulador protegia a PT e era “um escândalo”, agora achem que o Estado português deve proteger exactamente essa mesma PT – a única forma de compatibilizar é dizer que a PT deveria ser nacionalizada, a NOS expropriada e as telecomunicações em Portugal serem asseguradas por uma direcção geral do Ministério da Economia? E a Vodafone, a quota de mercado da Vodafone também é uma ameaça à soberania nacional? É que qualquer intervenção para defender a soberania nacional encarnada pela PT será favorecer uma empresa face a outras que com ela concorrem.

Ah, claro, há ainda “Não pode ser tratado como se tratasse de um assunto de quase rotina sujeito à lei mecânica da indiferença e da passividade. Exige apuramento profundo e integral de responsabilidades e a salvaguarda de aspectos inalienáveis da nossa soberania. Portugal não pode ficar desarmado. Os órgãos de soberania devem interpretar fielmente a prossecução do bem comum que é pertença da Nação.” Voltamos ao início, à soberania. Mas continuando sem especificar onde está a ameaça. Repetindo-se o argumento, significa que a motivação não é nenhum dos motivos económicos habituais para justificar a intervenção pública na economia.

Compreendo, e até partilho, da preocupação e pena do destino que a PT está a ter. Mas dizer que deve haver uma intervenção pública, contrariando o livre funcionamento de um mercado que se criou, é excessivo. Excessivo e perigoso. Não é só o que se faria a seguir com a PT (entregar a que gestores e com que objectivos de protecção da soberania nacional?), mas todos os outros sectores que alguém se lembrasse serem essenciais – por exemplo, os controladores aéreos, o transporte de mercadorias por via rodoviária, a produção de cereais, distribuição alimentar, electricidade, para falar apenas de alguns. (A regra é ser de interesse público tudo o que é usado em grande quantidade pela população?)

Era preferível ter uma PT de base nacional? sim, desde que tivesse natureza empresarial, e fosse capaz de sobreviver pelo projecto que apresente. Ter uma PT sem projecto, apenas para ser portuguesa, é apenas o Estado a fazer de empresário (poderei mudar de ideias se for convidado para presidir à empresa, ser administrador não executivo bem remunerado – nada menos do que com a remuneração dada na EDP, claro – ou estiver num órgão social; bem, talvez usar ironia aqui não seja a melhor ideia, ainda alguém leva a sério?!).

Num plano mais amplo, não entendo como é que os signatários do apelo consideram saber com total certeza qual o melhor caminho para as telecomunicações em Portugal. É que a ideia de ter uma empresa privada resgatada pelo Estado para operar no mercado privado em concorrência com outras empresas privadas para defender a soberania nacional parece encerrar contradições fortes em termos de funcionamento da economia.

Em termos sentimentais, gostava de adicionar a Majora à lista das empresas portuguesas a recuperar (fechou em 2013, depois de décadas a produzir jogos que educaram gerações de portugueses). Foi frustrante que o mercado não tivesse deixado que sobrevivesse.

 

 

 

Autor: Pedro Pita Barros, professor na Nova SBE

Professor de Economia da Universidade Nova de Lisboa.

10 thoughts on ““Apelo para resgatar a PT” e a soberania perdida

  1. Eu acrescentava também as Tapeçarias de Portalegre, que estão quase a ser varridas para debaixo do tapete.
    Haja Deus nas Telecomunicações.Já que houve Espirito Santo a mais nos impulsos financeiros. :

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  2. Soma aí os bordados de Tibaldinho, para os quais houve em tempos, não tão longínquos, uma proposta de passar a ter um centro de apoio com dotação do orçamento do Estado (http://goo.gl/eEe9e4).

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  3. Pingback: Mas acham que é a sério? | BLASFÉMIAS

  4. Comentários recebidos via facebook:

    [1] Esqueceste-te das fraldas. Tanta gente a usar, tem de ser estratégico. Fraldas PT com a cara do Loucã na frente e do bagão atráz.

    [2] “quando a “soberania nacional” é incompatível com a economia de mercado dá nisto”

    Ora nem mais. Trata-se de um apelo a que a soberania nacional não seja abandonada em nome da economia de mercado. Que não consiga sequer perceber o que isso significa diz muito sobre o que é a Economia hoje em dia.

    Pedro Pita Barros Caro [2], diga-me lá que aspecto da “soberania” está aqui em questão, na sua visão. É que o apelo não é sobre subordinar a soberania nacional à economia, o apela é sobre intervir com dinheiro público numa empresa especifica, a PT, para proteger a soberania nacional. A diferença entre as duas situações é clara.

    [2] “Compreendo, e até partilho, da preocupação e pena do destino que a PT está a ter. Mas dizer que deve haver uma intervenção pública, contrariando o livre funcionamento de um mercado que se criou, é excessivo. Excessivo e perigoso.”

    Isto é uma opinião. Boa. Mas é uma opinião. O que me parece a seguir extremamente aceitável é que quem deve decidir isto não é o Louçã, o Félix, nem o Pita Barros. E voltamos à soberania. Quem deve decidir é o soberano, que numa democracia é o povo representado pelas instâncias do Estado.

    Quando fala em “todos os outros sectores que alguém se lembrasse serem essenciais “, esse alguém é mesmo o soberano, e quando o soberano acha que são essenciais, deve agir em conformidade, independentemente do que dizem os dogmas do livre mercado. Por senão o que temos é sempre aquilo que vemos com a Economia do Mar: boas intenções de políticos sem qualquer capacidade de influenciar e tomar decisões estratégicas para o país porque está tudo entregue ao mercado.

    No fim disto tudo voltamos à mesma discussão do Hayek no Caminho para a Servidão. Muito bem. São duas visões diferentes, aceitáveis, e discutíveis.

    Agora, eu não acredito que o Pedro Pita Barros não tenha consciência destas coisas. Ridicularizar o outro é também uma estratégia de retórica. Mas ir um bocadinho mais ao fundo da questão não ficava pior. Penso eu…

    [2] Há dois aspetos da soberania realmente. Um primeiro que é o da PT estar na mão de capital estrangeiro. E um segundo que é o da PT (outrora empresa central no país e central para qualquer possível estratégia de desenvolvimento do país) estar a ser desmantelada por interesses imediatos.

    Penso que nisto nem o Louçã e o Félix estarão de acordo.

    [3] Afirmar que uma empresa que, já em Dezembro de 2013, tinha uma maioria de accionistas estrangeiros (que não necessariamente com mais votos) deve ser mantida em mãos portuguesas é um pouco extemporâneo.

    Pedro Pita Barros: [2], claro que um escrito de blog é uma opinião, tão opinião como o apelo para resgatar a PT. Estabelecido esse ponto, que estamos a falar de opiniões, a questão seguinte é saber quais as razões para intervenção como sugere o apelo, e quais as consequências. A ideia não é ridicularizar por ridicularizar (conheço várias das pessoas que assinaram, e tenho por elas amizade e apreço), e sim questionar, até à exaustão, como deve ser feito com qualquer proposta e argumento. Tomemos a sua visão de que a soberania significa o estado pensar que rumo estratégico devem ter algumas empresas (admito que não esteja a pensar em todas). Desde logo quais empresas e porquê? o que define essas fronteiras? Não basta dizer que é por motivo de soberania, temos que definir soberania e que ela implica para funcionamento do sistema económico. E não se deve partir do princípio de que o estado controlar é a melhor forma de assegurar objectivos. No caso das telecomunicações, o argumento da soberania e condução estratégica do estado choca logo com a existência de várias empresas privadas. Claro que pode argumentar que a soberania é defendida tendo uma, mas então com que quota de mercado? e como deve actuar no mercado? Note-se que os objectivos de serviço universal (chegar a toda a gente, de forma simples) já foram definidos como sendo passíveis de serem servidos por empresas privadas, sem participação do Estado. De qualquer modo, a PT desde há algum tempo que não é empresa portuguesa. A fusão lançada por Zeinal Bava entregou a maioria do capital da nova empresa a constituir aos accionistas brasileiros. Na altura não se levantaram vozes contra a perda de soberania por este facto (que eu me recorde). O elemento central é na verdade a frustração com a perda de um campeão nacional. Mas essa frustração não justifica tomar decisões erradas, procurando argumentos que escondam essa frustração. Como disse, também preferia que a PT estivesse em mãos portuguesas, mas pelos bons motivos, pelo projecto empresarial.

    [4] Atenção que a PT não é comparável a qualquer outra situação. No tempo da Manuela Ferreira Leite foi-lhe atribuído pela quantia simbólica de 9 milhões de euros toda a estrutura fixa de telecomunicações (cujo valor objetivo deveria ser à data mais de 2 ou 3 mil milhões de euros, com o argumento (certo ou errado) de que ficava em Portugal o controlo de um setor de segurança nacional como são as telecomunicações. Portanto há uma divida politica (porque não vertida no balanço) desse montante face à República Portuguesa. Compreendo então largamente a preocupação dos proponentes do Apelo. Ou retorna à República essa infraestrutura ou o Estado assume a PT a qual em termos de mercado já vale muito menos do que esse património coletivo. Não foi a República quem falhou…o resto são formas redativas de contrato, as quais podem ser bem ou mal feitas.

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  5. Administrador não executivo?! Pick me, pick me!!! Além de tudo isto, é altamente duvidável que a DG COMP – ainda bem – deixasse fazer alguma coisa…

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  6. Realmente aqui vê se que em Portugal o pensamento ainda é que quem tem de resolver tudo. Se queremos uma economia de mercado, parem de resgatar o que nao precisa de ser resgatado. Afinal a telecel nao foi desmantelada.. So espero é que com esta brincadeira das manias da soberabia não autorizem que a NOS entre no capital da PT, espero que estes interessses soberanos não se sobreponham aos interesses de um mercado competitivo. Como é que a ANACOM ainda não se pronunciou a esta aparentemente intenção de compra da PT por parte da NOS?! A ultima coisa que precisamos é mais de um monopólio em mãos privadas em nome da soberania angolana, ups, nacional.

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  7. Há uma coisa que me ultrapassa: a PT é estratégica por alma de quem? Já foi, de acordo, mas não é. Mesmo o chamado serviço universal (que foi MAL vendido por MFL à PT por uma bagatela) já regressou ao Estado (à custa de multas da UE – bendita seja) e foi concessionada em novo procedimento à NOS.

    A PT é uma empresa como é a NOS ou a Vodafone. A mim não me faz falta nenhuma nem me interessa que seja portuguesa, brasileira, angolana, mexicana ou lá o que for. Custa-me mais coisas como a privatização da REN ou a “concessão” à EDP da rede de distribuição de energia. Ou alguém se lembrar de privatizar a REFER. Ou mesmo a privatização dos CTT (que foi, é e vai ser um disparate).

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  8. [4]: Atenção que a PT não é comparável a qualquer outra situação. No tempo da Manuela Ferreira Leite foi-lhe atribuído pela quantia simbólica de 9 milhões de euros toda a estrutura fixa de telecomunicações (cujo valor objetivo deveria ser à data mais de 2 ou 3 mil milhões de euros, com o argumento (certo ou errado) de que ficava em Portugal o controlo de um setor de segurança nacional como são as telecomunicações. Portanto há uma divida politica (porque não vertida no balanço) desse montante face à República Portuguesa. Compreendo então largamente a preocupação dos proponentes do Apelo. Ou retorna à República essa infraestrutura ou o Estado assume a PT a qual em termos de mercado já vale muito menos do que esse património coletivo. Não foi a República quem falhou…o resto são formas redativas de contrato, as quais podem ser bem ou mal feitas.

    [5]: 100% de acordo com o teu artigo. Acrescentaria mais um argumento: continuam os mesmos a querer proteger empresas em industrias de bens essencialmente não transacionaveis e que absorveram os recursos humanos que deveriam ter ido para industrias expostas à concorrência externa. O paradigma não muda. Dado que a Anacom não conseguiu, falta ai uma Free para limpar as rendas excessivas na industria das telecomunicações, que verdade seja dita é uma industria do século XX e não do XXI.

    [6]: Concordo com a tua opinião

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